Publicado em 26/04/2020
Ricardo Roveran
O Brasil é um país apaixonado, que vive de emoções num pico que se fosse mensurada pela pulsação cardíaca resultaria em infarto fulminante ou parada cardíaca.
O país segue numa esteira ergométrica. Hora lá cima, com o beep do perigo de infarto disparado, hora também.
Deixa os mortos enterrarem seus mortos, diz Jesus.
A voz do povo é a voz de Deus, diz o adágio. A internet é o meio, por onde a voz do povo ecoa e ressoa, causa impacto e atropela. Não há grita que encontre resistência contra ela: quem fica na frente é atropelado.
Noventa milhões em ação, pra frente Brasil, é a trilha sonora secreta que a qualquer momento que fosse tocada não seria inadequada.
É minha leitura. Apaixonados seguem no campo de batalha com espada e escudo, gladiadores com a camisa da seleção contra a invasão vermelha dos estrogenados. A peleja é forte, é intensa e decisiva. E também uma começa antes da outra terminar.
Greve das polícias militares! Dez estados em crise! Coronavírus! Mandetta heroi! Não, não! Mandetta vilão! Hidroxicloroquina! Ditaduras estaduais! Olha lá a polícia pegando aquele vendedor no Piauí! Coitada da mulher de biquini na praia sendo retirada a força! Olha o jornalista da Globo correndo na boa e curtindo o sol da manhã na orla carioca! Jornalismo vendido! Plim Plim!
Cai Moro na grande área e o juiz pede pêêêênalti! O MBL vai chutar… Bateu! Chutou! Olha lá! Olha lá! Olho no lanceeeeee! Defeeeeeeende o Exército! Essa foi por pouco… é só tiro de meta pro presidente da República! Flavio pagou as milícias! É mentira! Levem aqueles artistas pro DEIC! O STF vai passar o aborto! Maia vai dar um golpe!
Do lado de fora do fone de ouvido, o médico escuta a máquina: BEEP! BEEP! BEEP! - e grita - Tragam uma dose de calmante de búfalo! O coração dele vai explodir! Injetem direto no peito! E olha que o infeliz é fumante, bebe, come gordura… nem dá pra acreditar!
- Não é isso doutor, é que esse aí veio de 2019.
- Como assim?
- Ele já correu isso no ano passado. Foi incêndio na Amazônia, mancha de óleo em 9 ou 10 praias do nordeste, Damares com falso sequestro de crianças indígenas, CPMI das Fake News, inquérito secreto no Supremo, Bebianno, laranjas do Marcelo, Flavio com milícias, Marielle, porteiro do condomínio, governadores vira casaca, partido rachado, Eduardo fora da liderança do partido etc, etc, etc. A coisa foi feia doutor! Esse aí já veio calejado.
- Mas isso tudo foi durante um ano, estamos apenas no quarto mês de 2020!
- Calma doutor - diz o enfermeiro - esse aí aguenta, e faltam só 8 meses pro país virar essa página.
- É impressionante, sabe? O STF, pelo menos, não passou o aborto. Esse sujeito está com a camisa da seleção sim, mas nem lembra mais que existe futebol.
- Não é doutor, esse tal Brasil quando invoca a seleção canarinho, não tem pra ninguém.
O médico e o enfermeiro se afastam, deixando um instante o Brasil na esteira. A injeção foi aplicada, mas não surtiu efeito e o paciente não ouve mais nada e nem ninguém, ele não pára de correr. Melhor deixá-lo, essa obstinação é que faz vitoriosos. Morrer nessa luta é melhor do que perder e viver desonrado.
Joaquim Barbosa foi aclamado, chamado de Batman do Supremo, adorado pelo povo como símbolo de justiça. Botou ordem na casa, mandou ministros calarem a boca na frente das câmeras, fez e aconteceu.
De repente achou que seria uma boa ideia apoiar o time dos estronegados, ser elogiado pelos criminosos que combateu. As boas lembranças ficaram na memória do país que continua correndo na esteira. Permanece o personagem romatizado, o Batman que o país pôde admirar por alguns anos, mas o Joaquim se foi.
O mesmo quadro, de repente, como um filme insistente, se mostra no horizonte. É doloroso, ninguém quer ver. É a remoção de um câncer que crescia em silêncio, quando o corpo não sentia nada, mas que iria matá-lo cedo ou tarde.
A ferida vai fechar, cicatrizar, coçar, a pele vai ser restaurada e a casquinha vai começar a cair em forma de memórias soltas. Uma biografia que começou bem, evoluiu bem, alcançou o Olimpo, mas esqueceu que os deuses não aceitam gambiarra.
O homem vai. Segue preocupado com sua vã filosofia, crente que resolverá o mundo, na infância da consciência e na adolescência dos sentimentos. É o amor próprio exagerado, a soberba precede a queda.
Arruma seu quarto primeiro, diria a mãe.
Voltam ao quarto o enfermeiro e o médico. O Brasil continua na esteira. Cansado, suado, ele já perdeu os sentidos, apanhou, superou aquele estágio onde o peito dói, a falta de ar, nada pode detê-lo.
O médico observando a cena dantesca, percebe que a camisa da Seleção está surrada e sacaneia:
- Ah, mas e o 7 a 1? Haha!
- Parece que ele está dando o troco… - retruca o enfermeiro.
Sempre tem gente contra o sucesso dos outros, querendo ver o paciente infartar, o barco afundar. São urubus da carniça que ainda não morreu. Geralmente essas pessoas se apresentam como doutores, como médicos portadores da solução, do tratamento correto, da cura.
Bolsonaro é o novo Pelé, ou Garrincha… e cada lance do jogo é importante, cada pênalti, falta, lateral, escorregão, cada nome de um time que contém 513 deputados, 81 senadores, 22 ministros, 1 presidente, 27 governadores, 5565 prefeitos. Ninguém passa despercebido.
Se manchar o uniforme, está expulso. Nada vai para esse jogo senão a vitória. E para conhecimento geral, não são dois tempos de 45 minutos com intervalo de 15, pois o preço da liberdade é a eterna vigilância.
O povo não quer mais um campeonato de futebol, quer uma Copa do Mundo da administração pública e sabe que pode vencer esse jogo e nada, absolutamente nada, é capaz de frear essa gente.
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