Publicado em 19/04/2020
Ricardo Roveran
Este emblemático domingo, 190 de abril, me pôs para pensar. Meditar um pouco.
Apesar de tantas, tantas e tantas análises que fiz, confesso que este final de semana me causou surpresa. Eu realmente não esperava esse vulto de gentes engarrafando o trânsito para dizer o que pensa.
O que afinal de contas despertou o país para ir às ruas em peso? Então liguei a TV e não vi uma única notícia de um evento de abrangência nacional. Entrei na internet e contemplei vídeos surgindo das 27 unidades federativas, dos 5.565 municípios, com algum ajuntamento substancial povoando as ruas e fazendo ecoar uma intenção uníssona.
Que escândalo! Os democráticos jornalistas não viram? Não ficaram sabendo? Porque aqui em um bairro de São Paulo, afastado do centro da cidade, meu celular pulava mais que macaco em festa da banana.
Como eu, tão menor entre meus pares, recebi tanta informação que não fui capaz de acompanhar, enquanto os grandes nomes, vestidos da grandiosidade da democracia, com os excelentes broches de grandeza cujos logotipos dizem “Me respeite! Sou grande-mídia!”, nada souberam? Inacreditável. Escandaloso. E o coração palpita querendo expressar algo que soma indignação e surpresa, mas os adjetivos são insuficientes no idioma. E assim, me faltam palavras.
Sabem por que manifestos acontecem? Por causa de vocês da grande mídia. Ela não noticia os fatos. Pelo contrário, narra o que quer, e o que quer é alcançar favores da classe política, que por sua vez é vista como inimiga pela população.
O termo grande mídia, ou mídia de massas, carrega em seu bojo a abrangência, o grande alcance e por suposto, o eco popular.
Não, vocês não fazem eco. Já fizeram. Num passado recente fizeram sim. Hoje o povo sente um misto de tédio e nojo.
O seu José acorda e liga a TV. A dona Maria volta da feira e sintoniza o rádio na cozinha. O seu Jorge compra o jornal na banca em frente ao comércio. A jovem Ana liga o som no carro e cai na estação de notícias.
“Bom dia coronavírus!” - diz a TV de manhã.
“Milhares e milhares de covas foram abertas no cemitério aí do lado da sua casa, porque você vai cair morto a qualquer momento se não tomar banho de álcool gel!” - narra o rádio.
“Cientistas do mundo todo estão contra Bolsonaro, a OMS foi declarada o novo deus e as igrejas deverão louvá-la no lugar de Jesus Cristo.” - é manchete no jornal.
E sistematicamente, a programação se repete. E se repete… e se repete…e serepete....
Cansado e sentido-se o rei dos trouxas, carregando a coroa da insatisfação e o cetro do descontentamento, estes cidadãos encontram um pequeno respiro nas redes sociais.
“Vão às favas! Malditos urubus!” - vocifera o contribuinte.
Um mais inquietado sugere o advento conhecido como hashtag: #ForaFulano!
A hashtag é um negócio genial, ninguém sabe quem está na internet, mas todos sabem que muitos estão lá. Então os desconhecidos começam a se expressar de uma que forma que é possível contabilizar. No canto da tela, a contagem: 1 milhão de fulanos escreveu #ForaFulano!
- Uau! Rapaz, não estou sozinho! - Pensa com um sorriso no rosto aquele sujeito que só era lembrado até então, no momento de pagar o imposto embutido nos produtos que compra, na declaração do imposto de renda e na hora de votar.
Alguns minutos depois uma revista de renome posta o Fulano como herói e criminaliza os cidadãos: “Robôs da internet atacam Fulano! Foi o maior ataque desde Pearl Harbor! Os aviões virtuais bombardearam sem piedade os hospitais de campanha de vossa santidade, o Fulano! Malditos robôs!”
Coisa engraçada. A narrativa inventada não se sustenta porque na apuração ela depende dos fatos. E os fatos, caros leitores, são insubstituíveis.
Chamar cidadãos de robôs nas redes sociais é acusá-los de não existir, é provocá-los, desafiá-los. É fazer com que se engajem mais e mais, é despertar-lhes a energia pulsante e compulsiva direto da alma que os moverá dos sofás confortáveis que assistiriam filmes com a família, para as avenidas das grandes capitais.
Eu não sei quem teve a brilhante ideia de aconselhar lideranças políticas a confrontar a população chamando-os de robôs, mas foi uma ideia tão estúpida que nem mesmo um estagiário de relações públicas aprovaria.
Um analista iniciante diria: “vamos tentar a diplomacia, é claro que política é também jogo de interesses, é também claro que o cenário político é profundamente ideológico, mas os poderes são divididos justamente para não haver domínio, e uma guerra traz consigo apenas prejuízo”.
Sei lá que espírito de birra tomou posse das mentes. Mas a cada nova derrota contra a população, alguns governadores e líderes resolveram dobrar a aposta e, com isto, assistiram o eleitorado os deixando, gradualmente, mas não aos poucos e sim de a granel.
A estratégia maluca de isolar o presidente agredindo a população resultou no auto isolamento.
Eu só consigo imaginar como autor desse tipo de pensamento alguém viciado em fisiologismo político, limitado a ver apenas o jogo interno, semi-ideológico e semi-partidário, mas absolutamente incapaz de ver qualquer coisa além disso. Como o clamor popular, por exemplo.
O que me assusta na verdade não é alguém elaborar esse tipo de maluquice, mas que encontre platéia, que outros lhe depositem fé. E sobre essa mesma fé, façam apostas.
Se já é nonsense que a insensatez seja aceita como estratégia política, quanto mais o quadro que se apresenta: as altas apostas feitas com base na mesma insensatez.
Se alguém me recomendasse sair vestido de palhaço para inspirar seriedade, eu não ouviria. Desculpe, não.
Lideranças muito preocupadas com "ataques", cuja ação na realidade do idioma e segundo o dicionário, corresponde ao verbete "crítica", não devem se preocupar. Justifico: estamos no fim de abril, quarto mês deste 2020, restando apenas oito meses e uns quebrados para o final do ano. E, com o fim do ano, chegam as eleições para presidências da Câmara e Senado, trazendo consigo o final deste árduo labor que é suportar o eleitor.
Calma, já está acabando.
O Supremo Tribunal Federal (STF) também deve ter uma renovação. Um ministro se aposenta e a presidência da Corte troca de rosto.
E não é só isso, Em julho de 2021, outro ministro completa 75 anos e fica livre do encargo terrível.
Tenham só um pouco de paciência, que esta ocupação penosa já está chegando ao término.
Os prefeitos? Não se deixem levar pelo peso dos cargos. As eleições estão aí em outubro, faltam apenas seis meses para verem livres da ocupação danosa e voltarem às suas vidas em suas profissões anteriores, longe da opinião pública.
Mas agora, voltando um pouco à leitura de cenário atual, os governadores que estiverem descontentes com as manifestações populares, agradeçam à mídia.
Sabem por que o povo vai às ruas? Porque é provocado. Porque a tal da mídia não lhes dá voz.
E faço uma ousada pausa aqui para dizer que a mídia tem um compromisso com a democracia, que é de fato, ouvir a todos.
Sabem o que acontece quando a mídia não ouve o povo? O povo ignora a mídia e vai pessoalmente dar o recado.
Assim, podem os players da política contratarem milhares de jornalistas, escreverem milhares de páginas, gravarem milhares de reportagens, exibirem a publicidade política no horário nobre. Não haverá eco.
Querem agradecer a alguém pelos manifestos deste domingo? Pelas ruas lotadas? Agradeçam à mídia.
E quando nas urnas o povo vos detestar, acusem não os robôs, mas os ciborgues, talvez, não sei, de estarem mal programados, para digitarem outros números que não correspondam às vossas cédulas.
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