Publicado em 23/11/2020
*Por Paulo Moura
As pesquisas possuem grande poder de prognosticar tendências da opinião eleitoral. São pesquisas não publicadas que orientam as estratégias que vencem eleições. No entanto, as pesquisas publicadas têm limites raramente compreendidos pelos leigos e mesmo pelos jornalistas que as comentam.
Nessa eleição, novamente, a diferença entre o que as pesquisas dizem ao final do primeiro turno e o que as urnas revelarão, será novamente objeto de controvérsias e questionamentos. Desacreditar pesquisas é parte do jogo da disputa pela opinião pública.
O sociólogo francês Pierre Bourdieu é um neomarxista que se dedicou a estudar a forma como as pesquisas publicadas influenciam a formação da opinião pública. Não obstante minhas discordâncias com as escolhas ideológicas do autor, seus estudos são interessantes contribuições à compreensão do fenômeno.
Segundo Bourdieu, em artigo dos anos 1970 (“A opinião pública não existe”), opinião é um discurso articulado impossível de ser traduzido em percentuais. Diz ele, que nem todas as opiniões se equivalem e nem todo mundo tem opinião sobre o que perguntam as enquetes que convertem respostas em percentuais. Igualmente, não existe um consenso pré-estabelecido sobre os problemas que deveriam ser objeto das pesquisas.
Ou seja, por trás de quem encomenda a pesquisa e decide o que perguntar há o interesse de influenciar quem lê a pesquisa publicada, mesmo quando o rigor metodológico é obedecido na coleta e análise dos dados. A manipulação não estaria no rigor do método, mas nesses pressupostos falsos sobre os quais se constroem as pesquisas publicadas.
Pesquisas publicadas são cortes verticais na massa de “opiniões” (na verdade, sobre as repostas às perguntas dos institutos de pesquisa), no curto espaço de tempo em que os pesquisadores vão a campo coletar as respostas, em intervalos de dois ou três dias, em geral.
Numa eleição as opiniões estão em movimento, sob influência da disputa entre grupos organizados pela conquista dos indefinidos ou para tirar votos de adversários.
Na era das redes digitais e da comunicação por Whatsapp, as opiniões sobre escolhas eleitorais são tão ariscas quanto o click do mouse que nos conduz a outra página na rede.
As opiniões se formam em círculos de convivência e obedecendo a uma lógica que não encontra em índices estatísticos a forma adequada de representação.
No marketing político tradicional, os trackings (monitoramento quantitativo diário) e as pesquisas qualitativas (grupos de eleitores que assistem à propaganda e os debates quando estão no ar, observados por analistas) são os instrumentos que os estrategistas usam para ler essas percepções e calibrar a propaganda para captar votos.
Na era do marketing digital, as métricas digitais foram incorporadas como metodologia de “leitura das mentes” dos eleitores e do mapeamento dos fluxos digitais da opinião nas redes.
As duas técnicas possuem lógicas totalmente opostas, mas se complementam como ferramentas de orientação estratégica das campanhas e de predição de tendência de opinião.
As pesquisas publicadas, no entanto, têm como principal vulnerabilidade a dificuldade de captar mudanças rápidas de opinião que geram “fluxos de reação viral” a fatos políticos repercutidos nas mídias digitais.
Numa eleição “empatada”, se um fato político (denúncia, escândalo, falha em debate) ocorre muito próximo à coleta de dados, provocando mudanças bruscas das opiniões individuais, dificilmente a pesquisa publicada captará essa alteração.
Isso não significa que o instituto errou ao divulgar os índices sobre aquelas perguntas no momento em que perguntadas, significa apenas que a pesquisa publicada não captou a mudança brusca ocorrida logo após a coleta das respostas pelos entrevistadores.
A situação na qual se constitui a opinião na reta final de um segundo turno em que poucos eleitores indefinidos podem se decidir com base em quaisquer fatores, é o inferno dos institutos.
As pessoas estão diante de opiniões sustentadas por grupos. Ao se posicionarem estão escolhendo entre grupos, num contexto de disputa de poder e correspondendo a um determinado estado da correlação de forças entre posições em guerra. Quem mantêm distância relativa dos polos que se opõem nesse conflito, os famosos “indecisos”, decide em função da pressão dessas forças constituídas.
As estratégias das campanhas majoritárias orientadas pelo marketing tradicional consistem na construção de respostas para demandas comuns dos eleitores. Como essas demandas são as mesmas e as pesquisas encomendadas pelos candidatos mostram isso para todos, impõe-se uma equalização das estratégias que passam a jogar ao máximo com a dissimulação das clivagens para ganhar os votos flutuantes.
Nesse contexto as pesquisas publicadas adquirem relevância extrema para a “fabricação” da opinião pública. A publicação dos resultados de pesquisas prejudica uns e favorece outros, por isso, criam-se jogos retóricos com a finalidade de usar os resultados para influenciar a interpretação que as pessoas fazem das pesquisas publicadas: e dê-lhe compartilhamentos dos resultados e interpretações que “me favorecem”.
Javier Del Rey Morató, um pesquisador espanhol, mapeou alguns desses artifícios que ele chama de “jogos do termômetro social”. Hoje, diz ele, a difusão desses jogos ocorre sem restrições, e, muitas vezes, seus porta-vozes são analistas a serviço de candidatos. Agentes interessados patrocinam pesquisas e disputam a imposição de versões interpretativas dessas pesquisas. Essas pesquisas estruturam a guerra de versões e desenham o cenário em que vão se desenvolver os jogos de linguagem.
Os jogos retóricos pela imposição de versões sobre as pesquisas buscam definir um cenário que se abre com o jogo de prognóstico dos resultados eleitorais futuros, tomando como base a leitura de resultados de pesquisas presentes. A imposição de uma determinada leitura das pesquisas fisga o observador num anzol.
O analista de pesquisas publicadas, dessa forma, insere-se no jogo como uma espécie de vidente. Apoiar-se no prognóstico dele, se ele “nos favorece”, ou desconstituir esse prognóstico usando outras pesquisas, ou outras interpretações das mesmas pesquisas, se ele “nos prejudica”, é um imperativo da disputa em torno da construção de um clima de opinião que “nos interessa”. O passo seguinte é enredar o eleitor na crença de que o simulacro é a realidade.
Nem sempre funciona. Quando os institutos erram algum prognóstico, após terem inundado o espaço midiático com estimativas sobre o resultado da eleição, para explicar a distância entre o prognóstico e o comportamento eleitoral, recorrem às margens de erro; às mudanças bruscas das opiniões sob impacto de fatos novos, enfim, todo o tipo de argumento “técnico” é usado para explicar o inexplicável.
A vida dos institutos de pesquisas, dos estrategistas de marketing tradicional e dos analistas de pesquisas publicadas complicou-se bastante com o advento das redes digitais de comunicação, especialmente do Whatsapp, que não permite a coleta automatizada de métricas por algoritmos, como acontece com outras mídias digitais.
Ao contrário do marketing eleitoral tradicional, que se pauta por buscar o mínimo denominador comum das opiniões e adaptar o posicionamento do candidato a essa “média”, o marketing político digital trabalha com a lógica do dissenso e da formação de clusters (guetos de opinião sobre temas polêmicos). O atrito e a polêmica geram engajamento e o crescimento da adesão às posições opostas em disputa.
Recorrendo a essa lógica e desprezando completamente o marketing analógico tradicional, o presidente Bolsonaro engajou milhões à sua rede de seguidores nas mídias sociais e, assim, construiu a maioria que o levou à Presidência da República, enquanto marqueteiros tradicionais, cientistas políticos e jornalistas projetavam a impossibilidade de sua vitória, simplesmente por se basearem em paradigmas de análise obsoletos e por não terem as ferramentas adequadas para saber o que se passava no mundo da opinião pública digital.
A eleição presidencial de 2018 não foi apenas uma disputa entre candidatos, mas também, uma disputa entre paradigmas tecnológicos e entre modelos de construção de estratégia, interpretação do comportamento da opinião pública e predição de tendências de comportamento político.
Bolsonaro e o povo, estavam conectados e sincronizados em redes digitais e os candidatos tradicionais se isolaram nas mídias tradicionais sem audiência e sem engajamento.
Na eleição de 2020, dominada por candidatos a prefeito da era analógica, o digital é exceção no marketing eleitoral em uso.
Em São Paulo, quem usa bem o digital é Boulos (PSOL), que assimilou rapidamente a tecnologia que Bolsonaro usou em 2018, e Arthur do Val (Patriotas), que nasceu para a política nesse paradigma.
Já nas eleições para vereador, os candidatos da nova direita nadam de braçada no marketing digital e não deverá causar surpresa a eleição de muitos candidatos conservadores em todo o Brasil, como resultado de campanhas baratas e centradas nas mídias sociais digitais.
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